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mãe.

De todo, hoje não foi o meu melhor dia nos últimos tempos. Acordei mal, estou doente. Veiu-me a cabeça um pensamento, o maior deles todos, o mais angustiante, o que mais me faz sofrer . Não me lembrava disto há já algum tempo, confesso. O que é estranho porque há dias que ando a pensar como reagir e ás pessoas que iram estar comigo e perceber o quanto me iria rebaixar. Mas após segundos me apercebi o quanto ainda me magoa. O que aconteceu e as quantas lágrimas infinitas que deitei e vi deitar.
A dor de perder alguém próximo é horrível. E quando caímos em nós mesmos e a meio daquele choro nos apercebemos que essa pessoa vai, mas já não volta entramos em pânico. E ficamos assim durante algum tempo. Ficamos na solidão de um desespero, mas não é por estarmos sem ninguém à volta para nos apoiar. Mas sim porque nos começamos a aperceber do que podíamos ter feito com essa pessoa e não fizemos. Daquilo que lhe podíamos ter dito e não dissemos. O que é certo que chegamos a um ponto que não queremos saber de nada nem de ninguém e que sorrir não é o gesto mais habitual diariamente. Mas tudo passa. Tudo vai e acabamos por esquecemos a dor. Ou se calhar não, provavelmente não seja uma questão de doer menos, mas sim de suportar melhor a dor. Acho que é isso mesmo, acabamos por nos habituar e a viver com ela diariamente. Temos que recomeçar a nossa vida e deixar os choros e desesperos para trás, pois não é isso que me irá ter vontade de viver o que a vida me dá. Mas precisamos de arranjar forças para passar por cima. Precisamos de algo ou alguém para nos darem forças. E nesses pequenos momentos é que vemos quem gosta realmente de nós e não nos deixa por nada. Quem está do no nosso lado e quem nos ajuda e apoia em qualquer circunstância.
O que é certo é que tive que me habituar, tive que aprender a lidar com a tua morte e tive que ser forte e dar força ao meu pai e à minha avô, aos meus irmãos, que foram as pessoas que sofreram mais. Estávamos juntos nesta tempestade. Estávamos no mesmo barco e tínhamos que saber sobreviver a este furacão que destroçou muitos corações.
Não me lembro deste dia, não tenho qualquer memória, secalhar é por isso que me magoa mais. Nunca me apercebi muito bem do que aconteceu, nem o porque. Nem o momento em que soube, acho que foi com o tempo, pois sempre dei pela tua falta.. A dor de ver a minha avô a chorar, ainda hoje, desesperadamente foi algo que eu nunca tinha visto antes. Algo que me marcou de uma maneira inesquecível. Eu não chorei naquele preciso momento, não o fiz durante instantes. As lágrimas caíram, não consegui conter, mas limpei-as imediatamente. Tive que me manter firme. Tive que meter a mascara de forte e de aço, aquela que aparenta nada me afectar, para não deixar a minha avó pior. Baixinho ao ouvido disse-lhe “o que já lá vai, lá vai. Não podes pensar nisso agora, já passou muito tempo”. Ainda me lembro das palavras dela “és igual a ela, tens o coração dela, nunca mudes. Quem tem uma filha tem tudo” e novamente lhe escorreram as lágrimas pelos olhos, as palavras dela marcaram-me, a expressão dela, tudo. Tenho 15 anos, e já passaram 11 anos desde a tua morte, já sou crescida, tomei a decisão que estava na hora de ver com os meus olhos, não serem as pessoas a contar, a falar.
Assim que cheguei lá e vi a tua campa, entrei numa solidão tremenda, foi pior do que eu estava a espera. Em cada passo que dava lembrava-me das poucas memorias que tinha tuas. Não aguentava, chorei. Estava com o meu pai que por incrível que pareça. E que nesse momento frente aquele caixão, me abraçou e disse "não chores". Eu chorei mais ainda mas não tive coragem de olhar mais para aquele caixão. Foi muito duro, não só por mim mas por ver o sofrimento do meu pai e lembrar-me da minha avó. Porque na verdade, mãe é mãe, e eu perdi a minha.
E ai só existia 5 pessoas, tu o pai, a avô e os manos. Eram as únicas com que eu me preocupava. Preocupava-me contigo, porque não sabia se sentis-te muita dor ao partir, e preocupava-me com elas porque tu eras um pilar na vida delas. Á noite ultrapassava isso, eu tentava ultrapassar. Passei noites naquele sofrimento horrível em que estavam imensas pessoas, mas que nem metade delas estavam sentidas com a situação em questão. Não consegui nem consigo dar força a ninguém porque não a tinha nem a tenho. Não consigo arranjar força para nada e só me apetece desaparecer por estar a ser tão inútil. De noite tudo ficava pior, era uma escuridão imensa, das piores que tive até agora. Adoro deitar-me na tua cama, e sentir que já ali estiveste, e foste feliz. Sinto-me em paz e segura ali.
Já fez precisamente 11 anos que nos deixas-te, e ao pensar nisso fico triste. Éramos muito chegadas, mas a tua hora acabou por chegar. Eu gostava e continuou a gostar imenso de ti. E tenho imensas saudades tuas. Eu acho-te uma mulher fantástica, mãe!
Não assisti ao teu funeral, talvez por ser tão pequena e na altura não saber o significado das coisas. Passaram-se os meses e a dor não parecia estar a desaparecer. Lembro-me de uma vez, ao fim do dia de ir ao cemitério ver a tua campa, sozinha. Entrei e estava pouca gente. Sentei-me na campa, e fiquei ali, a falar contigo. Estive ali bastante tempo, e chorei imenso. E só tu vias e ouvias. Era ali que eu me sentia em paz e segura. Fui para casa, e a caminho limpei todas as lágrimas que ainda escorriam pelo resto duma menina inocente e triste. Não disse a ninguém e até hoje ninguém sabe que lá fui. Não o voltei a fazer, pois faltou-me a coragem. Mas talvez volte a passar por lá, desta vez com o meu pai. Não tenho a coragem de falar de ti a alguém da família, não tenho, sinto medo, receio. Embora tenha deitado milhões de lágrimas a escrever este texto, quero que saibas que estou a sofrer. Apenas tenho imensa pena de não te ter aqui comigo a acompanhar o meu crescimento. És a minha mãe, sim continuas a ser, a pessoa que tomou conta de mim enquanto eu era criança e já me fez muito feliz em tempos. Obrigada por tudo o que já fizeste por mim e desculpa todos os imensos e numerosos erros que já cometi contigo.

Estejas onde estiveres espero que estejas bem. Eu continuo aqui a desempenhar o papel de menina forte. Quero que saibas que a tua partida foi uma das situações que me deu mais força. O que não nos mata, deixa-nos mais fortes. Continua a proteger-me dai de cima que eu sei que tu és o meu maior anjo da guarda.

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